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Para decidir entre o fim do ano e o fim do mundo

De qualquer forma, é importante ter em mente que viver é isso: fazer escolhas que podem postergar o apocalipse e outras que sequer adiarão a segunda-feira.

31/12/2024 11h38 Atualizada há 3 semanas
Por: Redação
Para decidir entre o fim do ano e o fim do mundo

Dia 31 de dezembro, 11h. Estou dentro da fruteira escolhendo tomates para o vinagrete que a Lu e eu comeremos no almoço do dia seguinte, o primeiro do ano. Na nossa casa, os calendários já foram todos trocados e a rotina revolucionou-se com a chegada do calor, das férias e dos festejos. Na rua, a agitação é constante e os dilemas são muitos. Mesmo nestas quatro quadras que eu percorri com objetivo de comprar minhas frutas, é evidente que as pessoas pelas quais passei foram todas vítimas de um desabamento. E o que caiu sobre elas foi 2024, inteiro, de uma vez só, sem dar brechapara tocar o alarme ou procurar a saída de emergência.

Elas perceberam ao mesmo tempo, há poucos dias, que existem muitas realizações a serem organizadas e decisões a serem tomadas ainda nos limites deste ano. Com qual parte da família ficar na hora da virada? Que roupa de baixo vestir no momento dos fogos? Quantas flores atirar ao mar no fim do dia? Que presente dar à Kátia do almoxarifado no amigo secreto? A apreensão é grande porque eles sabem que resolver todas estas pendências em tempo recorde é a única forma que têm de mostrar, ao ano que se aproxima, que estão prontos para uma nova etapa.

Afinal, 2025 sempre pode ser o nosso ano, aquele em que os milagres há muito aguardados se apresentarão: veremos a solução para a crise climática, o fim da escala 6X1, a queda do bolsonarismo e o sumiçodos cardápios com QR Code. Mas, se 2025 nos encontrar desarranjados,suarentos e atarefados, com cuecas cinzas e um par de meias embalado para a pobre Kátia do almoxarifado, pode ser que desista de nós e, aí, só em 2026. Então é compreensível que o momento seja de muita angústia e de constante ansiedade.

E eu escolhendo tomates.

Confessem, vocês já tinham até esquecido. Estou diante de uma caixa de madeira repleta de frutos. Procuro aqueles mais adequados e não me comprometo com o caos que sucede ao meu redor. Comparo cores em busca da mais uniforme. Decido entre aromas cítricos e adocicados. Evito consistências moles. Investigo as manchas de bolor. Massageio as nódoas de terra. Neste momento, encontrar o tomate certo é tudo que importa e, entre uma textura e um perfume, me abismo que o ser humano seja esta criatura imensa, que vive desiquilibrado entre grandezas de proporções tão distintas.

Num instante, estamos ponderando se faremos alguma faculdade; no outro,refletindo sobre qual coleira comprar para o gato. Na sexta, optamos por não ter filhos. No sábado, estabelecemos que nossa cor preferida é o magenta. Antes de dormir, vamos de café com leite. Acordamos e resolvemos pedir o divórcio. Até que, em dado dia, o fim do ano aparece na rua travestido de fim do mundo e cabe a um de nós, simplesmente, escolher meia dúzia de tomates para o vinagrete do dia seguinte. Porque a pegadinha é esta. O dia seguinte está logo ali. Ele não vai a lugar algum e certamente virá com novas decisões a serem tomadas, algumas que impactarão o resto da nossa vida, outras cujo efeito não durará até o jantar. De qualquer forma, é importante ter em mente que viver é isso: fazer escolhas que podem postergar o apocalipse e outras que sequer adiarão a segunda-feira.

E talvez seja o que me tranquilize enquanto escolho os tomates. Que eles não saibam se o dia de hoje está mais para fim do ano ou fim do mundo. Que sua única data seja o vermelho e sua única celebração seja o sabor. Então, em meio a eles, eu esqueço da vida, das celebrações, da brevidade das férias, do calor e até do bolsonarismo e dos cardápios com QR Code. Daí, quando 2025 chegar e tivermos que decidir se teremos filhos, faremos faculdade ou voltaremos a preferir o azul, bastará entrar em qualquer fruteira, contemplar alguns tomates e memorizar, uma vez mais, as coisas que se decidem sem urgência.

 

Escrita por Daniel Baz