Por Dirceu Lopes
A cada novo dia, imagens de cidades alagadas, edifícios trepidando, morros desmoronando, plantações destruídas, casas caindo e vidas ceifadas por desastres naturais inundam os noticiários e as redes sociais. O que antes era chamado de “fenômeno isolado” hoje se tornou rotina: tempestades extremas, ciclones fora de época, calor infernal, seca e alagamento no mesmo território. Não se trata mais de previsões para o futuro. O colapso climático já está entre nós — e é urgente reconhecê-lo como resultado direto da ação humana, em especial da lógica predatória do capitalismo global.
Há décadas, cientistas do mundo inteiro vêm alertando sobre o aquecimento global. Desde os relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) até as conclusões mais recentes da COP28, a ciência não deixa dúvidas: a elevação da temperatura média do planeta, causada principalmente pela queima de combustíveis fósseis, desmatamento em larga escala e uso intensivo do solo, está intensificando eventos climáticos extremos. O planeta se aqueceu cerca de 1,2 °C desde a era pré-industrial, e isso já é suficiente para desestabilizar o delicado equilíbrio dos ecossistemas terrestres e oceânicos.
Não estamos diante de uma “crise climática”. Estamos dentro dela. Trata-se de um colapso sistêmico: ambiental, econômico, social e político. Enquanto isso, os grandes conglomerados financeiros continuam lucrando com o petróleo, a mineração, o agronegócio e a especulação imobiliária, mesmo diante do rastro de destruição que isso provoca. Vidas humanas viraram estatística em meio a enchentes, queimadas e deslizamentos. Milhões de pessoas estão sendo forçadas a migrar, perdendo seus lares, suas raízes e até suas identidades. As chamadas “mudanças climáticas” não são neutras: afetam com mais intensidade os pobres, as mulheres, as populações indígenas e negras, os trabalhadores do campo e da cidade.
A fúria da natureza é, em grande parte, a resposta violenta à surdez da humanidade. Mas não de toda a humanidade — e sim de uma ordem econômica que colocou o lucro acima da vida, que tratou a Terra como uma mina infinita de recursos e os corpos humanos como engrenagens descartáveis de um sistema de produção. Essa lógica colonial, racista e patriarcal se refinou ao longo dos séculos até chegar ao modelo neoliberal atual, que destrói direitos, destrói empregos e destrói o meio ambiente em nome de um crescimento que beneficia pouquíssimos.
As tempestades que caem sobre nós não são apenas feitas de água, vento ou fogo. São feitas de escolhas políticas. A falta de políticas públicas para habitação segura, saneamento, proteção ambiental e justiça climática mata tanto quanto um rio transbordado. E enquanto governos conservadores e empresas multinacionais continuam negando ou minimizando a crise, são os cidadãos e cidadãs comuns que perdem tudo: casa, trabalho, saúde, família. O colapso do clima é também o colapso de um modelo de sociedade desigual, violento e insustentável.
Mas é justamente nas rachaduras do sistema que nascem as possibilidades de mudança. O tempo de esperar já passou. É hora de construir uma nova ordem ambiental, baseada na solidariedade, na justiça social, na sabedoria dos povos originários e na ciência comprometida com a vida. Precisamos repensar nossas cidades, nossa produção de alimentos, nossas formas de consumir, nossas fontes de energia e, sobretudo, a forma como nos relacionamos com a Terra — não como donos, mas como parte dela.