Por Dirceu Lopes
Ah, o Brasil! Terra de belezas naturais, de saberes acumulados, da alta tecnologia, do SUS, da diversidade e riquezas regionais, do futebol, do Carnaval e, claro, das mais absurdas contradições políticas e sociais. Nunca foi tão difícil acompanhar o raciocínio – se é que podemos chamar assim – de alguns setores da sociedade. Temos patriotas torcendo por uma invasão estrangeira, cristãos desejando a morte do Papa, liberais pedindo socorro ao Estado e torturadores clamando por direitos humanos. Parece piada? Pois é a realidade nua e crua, exposta como um barraco sem reboco.
Comecemos pelos patriotas que, de tanto enaltecer a soberania nacional, decidiram que a melhor forma de protegê-la é pedindo arrego para os Estados Unidos. Sim, esses mesmos que vivem gritando contra o “globalismo” e juram amor incondicional ao Brasil querem ver o país sob as botas de uma potência estrangeira. De verde e amarelo, clamam por intervenção de uma nação que, ironicamente, nunca hesitou em intervir para transformar repúblicas independentes em quintais de seus interesses. O lema "Brasil acima de tudo" virou "EUA, nos salvem de nós mesmos!".
E os cristãos, aqueles que aprenderam desde cedo que "amarás o próximo como a ti mesmo", agora se reúnem para rogar pela morte do Papa. Isso mesmo, o representante máximo da sua própria fé, que ousou falar sobre justiça social e cuidar dos pobres, virou um inimigo a ser exterminado. O ensinamento de Cristo sobre oferecer a outra face foi trocado pelo desejo de ver a foice da morte cortar laços inconvenientes. O Novo Testamento, pelo visto, precisa de uma nova edição, mais alinhada com essa turma: algo entre o "Evangelho segundo a Intolerância" e "Os Apóstolos da Hipocrisia".
Os liberais, por sua vez, sempre tão altivos em defender o Estado mínimo, a livre concorrência e a responsabilidade individual, de repente redescobriram a importância do Estado. Quando o barco afunda – seja pela pandemia, pelas queimadas ou por um colapso econômico –, são os primeiros a gritar "socorro, governo!". Empresas quebram? Subsídio nelas. Mercado imobiliário em crise? Financiem os especuladores. O lucro é sempre privatizado, mas o prejuízo, ah, esse é socializado rapidinho. Afinal, não há ideologia que resista ao desespero do mercado.
E, por último, mas não menos cômico, temos os entusiastas da tortura e da pena de morte clamando por direitos humanos. Depois de décadas celebrando a dor alheia e rindo da desgraça dos oprimidos, eis que, na primeira acusação contra um dos seus, o discurso muda. Agora querem julgamento justo, garantias legais e até tratamento digno! Quem diria? O torturador pedindo clemência. O verdugo exigindo compaixão. O mesmo que defendia a execução sumária agora se agarra à Constituição como um náufrago a um pedaço de madeira.
É de dar nó na cabeça, mas, como dizem, o mundo gira, e a hipocrisia tropeça nos próprios passos.